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Histeria, redes sociais e a contemporaneidade

Atualizado: 21 de dez. de 2023


Há muito sabemos que o ponto de partida da Psicanálise deu-se através do interesse sobre a histeria de conversão e um debruçar de Breuer e Freud sobre o que tinham a dizer as doentes da época. Nas descrições dos casos atendidos ao final do século XIX temos mulheres com paralisia, esquecimento da língua materna, cegueira, paresia de músculos, rigidez, perturbações na visão entre outros sintomas que a medicina não conseguia explicar. Nos estudos sobre a histeria Freud percebe que os sintomas físicos tinham causa exclusivamente psicogênica e tratavam-se da expressão corporal de conflitos relacionados à intimidade da vida psíquica – desejos inconscientes. Os sintomas revelavam-se então uma solução de compromisso, uma forma através da qual o recalcado poderia ser admitido na consciência mantendo um caráter irreconhecível e enigmático cuja compreensão poderia dar-se através da investigação analítica.

Atualmente e considerando as variáveis culturais e sociais, podemos pensar nas diversas formas de expressão da histeria e um relativamente novo e amplo espaço nas redes sociais. Assim como Freud já destacava, a relação da histeria com a teatralidade e uma captura pela forma como se expressa (pantomima), vivemos tempos de um espetáculo da cena social e, como postula Birman (2000), “a captação narcísica do outro” sendo a imagem condição de sedução e fascínio. A díade imagem-plateia aparece então reforçada através do uso das redes sociais, onde a cena é valorizada ou desvalorizada através do número de visualizações, interações ou likes em suas diferentes plataformas. Como pensado por Bollas (2000) “cenário convidativo para a “performance” do “corpo-teatro” de uma histérica”, espaço privilegiado para oferta de imagem, exibicionismo e voyeurismo. A questão da imagem e olhar do outro ganham então na internet um lugar de destaque que, ao mesmo tempo que parece expressar um bem-estar a qualquer custo e um cenário repleto identificações, também parece esconder um sofrimento abismal do que se vive para além da telinha dos eletrônicos. A expressão e a teatralidade tratam maciçamente de viagens, jantares, sorrisos e diversos momentos felizes nas redes sociais, mas qual a sintomatologia por trás disso e por onde passa o interesse identificatório? Do que se trata essa mostração e a que/quem ela visa?

O famigerado Facebook, por exemplo, destacou-se ao perceber que os usuários de rede interessavam-se particularmente pela vida de seus amigos, criando então um feed onde as publicações de suas vidas pudessem aparecer seguidamente em um longo histórico. Há espaço para texto, foto, vídeo, check-in em estabelecimentos, lives e tudo aquilo que sirva de intermédio para a publicação da vida pessoal.As redes sociais mostram-se então como lugares estimulantes para a exibição da imagem, mas também para a dinâmica aprovação-desaprovação através de curtidas, compartilhamentos e etc. Em outras palavras, quem quer ser mais bem-visto e reconhecido em todas essas plataformas, deve postar o que [supõe que] agrade à rede.

Tal qual os sintomas observados por Freud, temos na atualidade uma exacerbada mostração do teatro da vida real. A histeria traz como forte característica uma dramatização e busca de atenção, o olhar do outro. As redes sociais se revelaram, então, um grande palco da vida pessoal, mas não em sua totalidade ou fidelidade e sim observando aquilo que traz aprovação através de comentários e curtidas.

Como descrito por Costa (2007):


“Em tempos de Hipócrates, as histéricas se apresentavam caídas no chão, entre espasmos e gesticulações, sem voz e, às vezes, sem sentido. Na Inglaterra do século XVIII, sob um olhar dessexualizado, a histérica mascarou-se pálida, quase desfalecida, vaporosa, reduzindo as crises histéricas a vertigens e desmaios.”


Podemos pensar, então, a histeria na atualidade de forma maximizada e quiçá epidêmica nesse grande palco online, onde todos e todas podem ser estrelas das redes sociais. É possível acompanhar a vida de celebridades, de objetos de idealização e de identificação sendo, a propósito, a identificação o mecanismo privilegiado no sintoma histérico como já descrevera Freud (1900):


“A identificação é um fator altamente importante no mecanismo dos sintomas histéricos. Ela permite aos pacientes expressarem em seus sintomas não apenas suas próprias experiências, como também as de um grande número de outras pessoas: permite-lhes, por assim dizer, sofrer em nome de toda uma multidão de pessoas e desempenhar sozinhas todos os papéis de uma peça”


Como apontei, para o caso das redes sociais, vemos a expressão daquilo que se supõe querer ser visto, aquilo que venha a expressar não apenas um usuário e suas experiências, mas aquilo que outras pessoas possam também gostar, sentir, identificar e ser seduzidas. A vivência histérica é de uma busca incessante pela possibilidade de ser o falo do outro diante de um feed repleto de histórias, fotos e experiências diversas tendo, assim, aprovação e destaque. A identificação e a alta adaptabilidade histérica, encontraram nesse espaço grande sintonia e possibilidade de expressão a partir de imagens [ditas] perfeitas.


Referências bibliográficas


BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2000.

BOLLAS, C. Hysteria. São Paulo: Escuta. 2000.

FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standart brasileira. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 1996

Referências eletrônicas

COSTA, Patrícia Martins Costa. Internet: o retorno à histeria. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos. 2007



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