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Da Síndrome de Resignação ao restabelecimento da esperança

Foto do escritor: Vanessa DiasVanessa Dias

Atualizado: 6 de ago. de 2024


Você já assistiu ao “Life Overtakes me”? Se você não assistiu e se interessa em conhecer chamada “Síndrome de Resignação”, assista! O documentário, disponível na Netflix, retrata com fortes histórias o grave adoecimento de crianças e adolescentes de famílias refugiadas na Suécia.


“Os pacientes mostram-se aparentemente inconscientes. A síndrome, denominada ‘Síndrome de Resignação (SR)’, pode apresentar-se em quatro estágios: prodrômico (ansiedade, disforia, isolamento social, transtornos do sono), deterioração (mutismo, ausência de comunicação não verbal), completo desenvolvimento (estupor, negativismo, ausência de reação a estímulos, dependência alimentar por intubação nasogástrica, hipotonicidade, períodos de excitabilidade, fraca resposta reflexa ao exame neurológico, entre outros) e remissão” Schmid (2019)



A realidade enquanto refugiados e o passado dessas crianças guardam grandes sofrimentos físicos e psíquicos, bem como uma importante dúvida sobre se os pais poderão garantir seus cuidados básicos. O incerto o futuro no novo país somado ao medo de serem enviados ao país de origem tem produzido SR em centenas de crianças nos últimos 15 anos.

Winnicott (2012) já havia nos alertado através de sua “Carta ao British Medical Journal” (1939) que crianças expostas a uma experiência maior que a real tristeza, podem ser acometidas por um “blackout emocional”, com graves prejuízos em termos de desenvolvimento. O que acontece na SR parece ser, infelizmente, ainda para além disso: um verdadeiro “blackout geral”.


Mas o que fazer diante da severidade de tais casos? O documentário traz na restauração da esperança nos pais, por exemplo, através da concessão de asilo às famílias e a possibilidade de reconstrução da vida, elementos-chave para a saída do quadro. Em outras palavras, as crianças e adolescentes acometidos por SR sentem na esperança e na segurança de seus pais, a possibilidade de despertar lentamente do estado de inconsciência. Ou seja, além dos acompanhamentos multiprofissionais com os doentes, há ainda um importante trabalho em relação aos pais, em seu fortalecimento, para que seus filhos “retornem à vida” com alguma segurança.

É através dessa segurança que pode existir esperança e a capacidade de sonhar enquanto saída do “blackout geral” sendo fundamental, portanto, uma primeira dose genuína de esperança investida nos cuidadores.


Segundo Figueiredo (2003), citado por Rocha (2007, p.269) a esperança deve ser vista como “um princípio organizador da vida psíquica, indispensável para seu bom funcionamento”, não sendo esta um estado de otimismo, mas a “esperança-princípio”, estruturante da subjetividade humana, constituinte da existência. Neste sentido, a esperança tem um fundamental papel para a constituição de um psiquismo capaz de produzir trabalhos psíquicos e, portanto, dispor de condições de saúde. Para Rocha (2007), a esperança faz ainda a sustentação da capacidade de sonhar e possibilita a criação de projetos de futuro, o amanhã.

Pode-se dizer que esperança permite, para além da criação do futuro, um anteparo em relação às angústias impensáveis e a sensação de “cair para sempre”, conforme descreve Winnicott. Neste contexto, uma desesperança de base evidencia uma impossibilidade ou precariedade de sustentação de si diante de um agente profundamente desorganizador, no caso, a situação de refugiado.

A Síndrome de Resignação tem sido amplamente estudada pelas diversas áreas de conhecimento que, a seu modo, buscam formas de resgatar crianças e adolescentes desta condição. Através do documentário, podemos depreender que é essencial que essas famílias possam acessar hospitalidade e segurança também como questão de saúde pública. Fato é que a esperança se coloca como um dos importantes fatores de lida com a realidade, de possibilidade de sonhar e continuar a ser.


Referências

ROCHA, Z. J. “Esperança não é esperar, é caminhar”. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental: Ed X, São Paulo, 2007. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/rlpf/v10n2/1415-4714-rlpf-10-2-0255.pdf


FIGUEIREDO, L.C. “Psicanálise, elementos para a clínica contemporânea”. Escuta: São Paulo, 2003


SCHMID, P.C. “Saúde mental e restrição de liberdade: relato de experiência como médica psiquiatra em centro de detenção de refugiados”. Saúde debate: vol. 43 no. 121, Rio de Janeiro . Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042019000200626&tlng=pt


WINNICOTT, D.W. “Privação e delinquência. “Carta ao British Medical Journal” - 1939 Traduzido por Álvaro Cabral. WMF Martins Fontes: 5ªEd, São Paulo, 2012


DOC LIFE OVERTAKES ME. Direção: Kristine Samuelson e John Haptas, Produzido por: Kristine Samuelson e John Haptas, Suécia, 2019. Disponível em abril/2021 no Netflix Brasil.


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